Estatuto da Criança e do Adolescente, 35 Anos: Garantir a Alfabetização é Afirmar o Direito à Educação Emancipadora

O artigo  53. do ECA garante “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania […]”. “A educação é a base de um país”. “As crianças são o futuro”. São frases ditas em diferentes discursos. No entanto, é fundamental olharmos para o presente. As crianças são cidadãs do presente e qual base estamos construindo? 

As lições de Norberto Bobbio (2004, p. 17) ao refletir sobre o presente e o futuro dos Direitos Humanos, cabe para o diálogo sobre o Direito á Educação e a política de alfabetização no Brasil, como destacou o autor: “Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, [...] mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.”

Dados divulgados na última sexta-feira (11 de julho) resultado da avaliação aplicada em 42 mil escolas da rede pública no final de 2024 revelam que o Brasil não atingiu a meta de alfabetizar 60% das crianças matriculadas no segundo ano do Ensino Fundamental. Tivemos avanços, mas o resultado ainda aponta uma dura realidade, a desigualdade social e o racismo estrutural impactam no processo de ensino e aprendizagem. Enquanto alguns estados conseguiram superar suas metas, seis estados apresentaram piora em relação ao ano anterior. 


O Nordeste ilustra o contraste mais gritante, apresenta o melhor resultado com o Ceará que alcançou impressionantes 85,3%, e o pior, a Bahia registrou apenas 36,0%.O sucesso do Ceará não é um segredo, mas o resultado de um regime de colaboração eficaz. Esse modelo exige que os entes da federação deixem de atuar isoladamente e caminhem de mãos dadas, garantindo o direito à educação desde a creche até a universidade. Trata-se de um pacto republicano que transcende bandeiras partidárias, focado em assegurar políticas públicas eficientes e planejamento de curto, médio e longo prazo.


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta que nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter a alfabetização como foco principal. A alfabetização é a porta de entrada para a leitura, criação e produção nas diversas linguagens, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades verbais e não verbais. Já a Lei nº 13.005/2014Plano Nacional de Educação (PNE), que, com a Lei nº 14.934/2024, teve sua vigência prorrogada até 31 de dezembro de 2025, estabelece, na Meta 5, o compromisso de alfabetizar todas as crianças até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. Para atingir essa meta, o PNE prevê estratégias essenciais, a partir das quais, proponho que façamos o seguinte Checklist:

  1. Os processos de alfabetização nos anos iniciais (1º e 2º ano) estão claramente definidos e alinhados com as diretrizes curriculares? Há uma comunicação e um alinhamento entre as estratégias de alfabetização desenvolvidas na pré-escola e nos anos iniciais do Ensino Fundamental?
  2. A escola criou ou adotou instrumentos internos para avaliar e monitorar o progresso da alfabetização dos alunos? Os resultados das avaliações estão sendo utilizados para implementar medidas pedagógicas corretivas, visando a alfabetização plena até o final do 3º ano?
  3. A equipe pedagógica está fomentando o uso de práticas pedagógicas inovadoras que favoreçam a alfabetização? Há investimento e uso eficaz de tecnologias educacionais para apoiar o processo de alfabetização e melhorar o fluxo escolar?
  4. A escola possui materiais didáticos específicos e estratégias de acompanhamento para crianças do campo, indígenas, quilombolas e de populações itinerantes? A escola enfrenta o racismo estrutural? São oferecidos recursos e suporte adequados para a alfabetização de pessoas com deficiência, considerando suas especificidades (incluindo alfabetização bilíngue para pessoas surdas)?
  5. Existem programas em andamento que promovem a formação inicial e continuada de professores focados especificamente em métodos e práticas de alfabetização? Esses programas monitoram se as formações resultam em mudança das práticas pedagógicas no cotidiano?

Existem evidências para as respostas a essas perguntas? São as evidências que possibilitam monitoramento, avaliação e atualização do planejamento. Para que o direito à educação se concretize em uma educação emancipadora, é fundamental um compromisso ético com o presente das crianças: 

  1. Precisamos assumir que a falha em alfabetizar uma criança é uma grave violação de seu direito fundamental à educação e para romper com essa realidade de violação de Direito é urgente instituir Políticas de Alfabetização a partir da realidade de cada município. 
  2. Estudos da Escola de Saúde de Harvard (2024) apontou na pesquisa Calor e Aprendizado, que o calor dificulta o estudo em sala de aula, pois deixa as crianças mais sonolentas e atrapalha a concentração, assim, é importante pensar a arquitetura escolar, iniciando pelas salas de aulas, o que exige investimento em espaços que favoreçam o ensino e a aprendizagem, considerando o impacto de ambientes adequados, como a climatização das salas de aula.
  3. O estudante deve ser o centro do processo de aprendizagem, assim, é necessário adotar metodologias ativas. 
  4. Transformar a Escola em Território de Cidadania através do existir, brincar e desenvolver a curiosidade. Como observa Paulo Freire: "O ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem mas sabem que sabem." (Freire, 2009). A Escola não pode ser lugar que poda a curiosidade da criança. 
  5. Expandir Escolas em Tempo Integral com a perspectiva de Educação Integral, pois, o objetivo não é apenas mais tempo na escola, mas a garantia de uma vivência plena dos processos de ensino e aprendizagem que assegurem o exercício efetivo da cidadania.

É hora de autoavaliar as políticas públicas de alfabetização e não de procurar culpados ou transferir responsabilidades. É hora de seguir o exemplo do Ceará e pactuar a colaboração. É hora de seguir o exemplo de Paulo Freire e defender uma política de alfabetização que vai além da codificação, promovendo uma educação emancipadora, que tem como ponto de partida a realidade e proporciona a leitura do mundo.

É HORA DE BUSCAR SAÍDAS. As crianças não alfabetizadas precisam de uma rede integrada, somente de mãos dadas podemos alfabetizar as crianças e garantir direitos, pois como nos ensina um provérbio africano: “É preciso uma aldeia para educar uma criança.”